terça-feira, 13 de setembro de 2016

Whisky David - Rusty Rock (1975)


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Durante a sua trajetória como disc-jóquei na rádio Mundial, o Big Boy lançou uma série de produções musicais interessantes. Poucos como ele na época sabia o que acontecia no mundo da música internacional. Muito do que de fato era sucesso passava pelo crivo dele, desde grandes lançamentos de grandes artistas quanto muita coisa obscura, porém de qualidade.

Nos discos dedicados aos seus míticos Bailes da Pesada, ele misturava muita coisa boa de soul norte-americano, como os Meters, quanto faixas obscuríssimas, como "Timothy" (the Buoys) ou "People of the World" que, volta e meia, tocavam nos programas da rádio Mundial — isso ainda numa época romântica do rádio, quando o jabá não moldava 100% da programação de uma emissora.

Aliás, muitos desses artistas obscuros chegaram a aparecer na Mundial ou nos seus bailes, e muita coisa morreu com ele, à medida em que, pelo menos, para os seus fãs, permaneceram porém ligados ao mito do Big Boy.

Um exemplo disso é o Whisky David. A banda virou um sucesso local no Rio por causa dele. Big Boy chegou a incluí-la no disco The Big Boy Show. Muitos que viveram aquela época certamente associam "Charley" aos tempos da Mundial. Porém, por décadas, muita gente não sabia do que se tratava. Dizia-se que era uma banda escocesa. Outros, que era um conjunto de hard rock britânico radicado na Espanha.

"Onde estará o meu amigo Charley? Volta bicho...Cadê aquela sua alegria, sua juventude? A rapaziada tá com saudades de você...". Assim começa a faixa na coletânea do Big Boy — onde o DJ improvisa uma história maluca, de um rapaz que fugiu de casa. Talvez, por conta disso, poucos que soubessem inglês tivessem se dado conta de que a letra é sobre um cachorro, e não sobre uma pessoa. Mas o que muitos não sabiam é que eles haviam lançado um disco inteiro.

O álbum saiu em 75, e se chama "Rusty Rock". Ao que consta, o material caiu nas mãos do Big Boy, que o divulgou por conta, mas nenhuma gravadora se interessou em lançar o disco inteiro — afinal de contas, quem de fato bancava a cena rock no Brasil nos anos 70 eram radialistas como o Newton Duarte. Em 1975, nenhuma gravadora apostaria em bandas de rock — ainda mais um grupo obscuro como o Whisky David, a despeito de todo o seu apelo. Serviu como balão de ensaio, e ficou restrito a Charley que, por sinal, é a única balada do disco.

O mais curioso é toda a mística de anos-luz distantes da Internet deram margem a toda a sorte de especulações e lendas sobre o Whisky David. Muitos chegaram a afirmar que ele era um andrajo, que vivia pelo circuito boêmio de Londres, até que Don Brewer, baterista da Grand Funk Railroad, resolveu chamá-lo para uma jam, depois de vê-lo cantar à capella pelas ruas. Mais tarde, ele teria bancado a gravação que viria a ser o "Rusty Rock". Porém, por problemas contrtatuais, Don não quis assinar a produção do elepê. Dois anos depois, David teria morrido atropelado depois de tomar hectolitros de uísque.

Mesmo depois do advento da Internet, as informações sobre o Whisky David eram escassas. Mesmo assim, o próprio bolachão apareceu pela web, naquela fase de ouro das páginas de upload que apareceram no rastro da novidade do Rapidshare, a partir de 2004 até o Stop Piracy Act, em 2010. Naquele tempo, alguns blogs reproduziram o "Rusty Rock" na íntegra. Contudo, como nada é perfeito, o disco foi ripado do vinil. Ao que consta, até hoje, eu nunca achei o álbum em formato digital.

o que se pode apurar hoje — e até existe um verbete na Wikipedia, é que Whisky David é David Waterston. Um escocês que radicou-se na Espanha em 1966 e , dez anos depois, lançou o seu ú nico trabalho, justamente "Rusty Rock". Waterson era um roadie dos Yardbirds e, naquele ano, montou uma banda, chamada The Shakers (nada a ver com os uruguaios de mesmo nome). na verdade, não fora Don Brewer o idealizador de "Rusty Rock" mas, sim, Fernando Arbex, dos Los Brincos, que produziu o disco. Por conta disso, muitos achavam até que não existisse David nenhum, e o vocalista do Whisky (outra lenda urbana) fosse o próprio Arbex fazendo um impersonator que misturava Bon Scott com Dan McCafferty, o vocalista do Nazareth.
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sexta-feira, 11 de março de 2016

The Future


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Ouvi os Seeds pela primeira vez num programa da extinta rádio Felusp de Canoas, a atual repetidora porto-alegrense da Mix, quando o 107.1 era, de fato, uma college radio inesquecível e excelente, mas que durou pouco tempo, até ser radicalmente modificada em seu prospecto. A Felusp era algo que o pessoal da teoria da comunicação chamaria de "paidéia radiofônica".

Os Seeds eram aquele típico grupo que apareceu no mercado norte-americano depois da catarse promovida pela Invasão Britânica. Em geral, aquelas bandas — hoje rotuladas como "nuggets", por causa da famosa coletânea da Elektra, de 1972, e depois relançada com sucesso em CD.

A maioria dessas bandas que apareceram na esteira da British Invasion naturalmente emulava o 'merseysound', porém preferiam soar quase como bandas de garagem. Muitas são realmente parecidas entre si — desde a sonoridade até o caráter efêmero. Algumas, que foram lançadas como pau-de-sebo pelas gravadoras ianques, interessadas em achar os "Beatles americanos", não iriam além de alguns singles. Outras, contrariando expectativas, conseguiriam um lugar ao sol nas paradas.

Foi o caso de conjuntos como o Kingsmen, que chegou ao nº 2 da Billboard, os Knickerbockers, com "Lies", e os Seeds. Em 1965, eles lançaram "Pushin' Too Hard" que, como boa parte daquela produção "pau-de-sebo", passava batida ou resumiam-se a sucessos locais, estourou meses depois, por causa de um DJ de Los Angeles que, como sempre acontece, descobre um Lado B e transforma em sucesso.

Em 1966, "Pushin' Too Hard" chegou ao 26º na Billboard Pop, e catapultou os Seeds ao mainstream. O single franqueou a banda a gravar seu álbum de estreia.

O interessante nos Seeds é que, a despeito da sua origem comum a todas as bandas norte-americans do seu tempo, quando eles tiveram a chance de lançar long-plays, eles decidiram fazer música "de vanguarda". O primeiro resultado é o A Web of Sound. O disco não vendeu muito na época. Porém, está no mesmo contexto do pré-psicodelismo do período.

O corolário dessa mudança é o sofisticado e conciso Future. O terceiro disco dos Seeds mostra uma evolução considerável, de uma banda garageira para uma produção de álbum que chega ao nível do melhor que se fez naquele fatídico ano de 67 para o rock. Mesmo assim, o disco pela a transição de 66 para o ano seguinte, ou seja, é pré-psicodélico mas bate na trave do conceitualismo que iria tornar-se o mote do pop nos anos seguintes.

Nesse sentido, é importante observar que muito dessa evolução musical corrobora a tese de que o rock dos anos 60 evoluiu justamente quando passou da mentalidade do single para o do álbum. Isso permitiu que fosse possível pensar de forma planejada a concepção de álbuns como um "grande single" (essa é a teoria de Keith Richards na sua autobiografia, por exemplo) e que foi esse fator que garantiria a sobrevivência da maioria dos conjuntos daquele tempo. Ou seja, a evolução do single para o álbum foi um processo tão natural quanto necessário, quando o modelo do compacto simples já não respondia à pretensão, à ambição e as aspirações da maioria das bandas dos anos 60.

Curioso é observar que Sky Saxon, o líder dos Seeds, concebendo Future por conta própria — fazendo uso de overdubbing, e orquestras em arranjos camerísticos, chegaria ao mesmo nível da concorrência, contudo sem perder o acento típico da sua originalidade.

The Future saiu em agosto de 1967 e chegou à 88º posição nas paradas norte-americanas. O compacto do disco, ""A Thousand Shadows", se saiu melhor do que o anterior, "Mr. Farmer" (que foi banido por muitas rádios por achar-se que a letra tivesse referência à drogas), e ficou também pela 72º posição nos singles da Billboard. O curioso é que, mesmo que a produção dos Seeds fosse original, parte da crítica achou que Future fosse inspirado pelo Sgt. Pepper's, dos Beatles — muito embora a maior parte do disco, como "Travel With Your Mind", foram gravadas ainda em meados de 66. Semelhança insólita, como a que aconteceria com os Flamin' Lips e os Rolling Stones, alguns anos depois. Mas isso é assunto para um próximo post.

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Live Peace in Toronto 1969


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Em setembro de 1969, Eric Clapton havia encerrado abruptamente um projeto que parecia promissor, mas que fora sabotado por ele mesmo: o Blind Faith. Sem saber o que fazer da carreira, ele retornou à Londres, e resolveu que iria exilar-se uns dias em suas casa, em Hurtwood.

Quando finalmente conseguiu sossegar, recebeu um telefonema relâmpago:

- Eric? É o John Lennon.

Antes que pudesse responder, veio a pergunta fulminante:

- O que é que você vai fazer hoje?

- Er, eu? Nada!

- Bem, você quer fazer uma apresentação com a Plastic Ono Band em Toronto?

Na onda dos grandes eventos do tipo Monterey e Woodstock, várias apresentações do gênero começaram a espocar. Dois empresários canadenses, John Brower e Kenny Walker resolveram bancar um show no Varsity Stadium para o dia 13 de setembro de 1969. O objetivo era reunir a nata do velho rock dos anos 50 com jovens atrações dos anos 60. Dessa forma, dividiriam o palco gente como Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Bo Diddley com Alice Cooper, Chicago, e os Doors, por exemplo.

Para ser o mestre de cerimônias, Brower e Walker pensaram em John Lennon, já que reunir sua banda, os Beatles, parecia algo fora de cogitação (John fora antes procurado pelo estafe de Woodstock para uma reunião dos Beatles ao vivo. Lennon tentou oferecer a Plastic Ono,porém, foi em vão - ninguém se interessou). John vendeu novamente a Ono Band, e levou. Logo, procurou Alan White para a bateria, Klaus Woorman no baixo e, lembrando-se da feliz união do Dirty Mac no malfadado programa Rock'n Roll Circus, resolveu convidar Clapton para a guitarra solo.

- Sim, claro! - respondeu Clapton.

- Está bem. Então me encontre-me na sala da primeira classe da BOAC no Aero porto de Londres. Depois eu te conto tudo.

Eric chegou em uma hora no balcão da BOAC e encontrou John como na capa do disco Abbey Road - todo de branco. Então contou-lhe do tal evento, chamado Rock and Roll Revival. Clapton e Lennon tinham tocado "Yer Blues" juntos e alguns covers seriam fáceis de tocar, como "Dizzy Miss Lizzy" e "Money", dois standards dos shows dos Beatles, calcados em 12 bar blues; porém, canções novas, como "Give Peace a Chance" e "Cold Turkey", essas estritamente da Plastic Ono Band, nunca tinham sido tocadas com banda.

Para tanto, eles não tinham nem tempo e muito menos espaço para ensaiar. Resoveram virar-se do jeito que era possível: durante o voo. Em sua biografia, Clapton lembra da cena:

- Levamos as nossas guitarras semi-acústicas a bordo e nos acomodamos no compartimento de primeira classe, entre outros passageiros, inclusive o dono da fábrica da navalhas Schick. Ele estava sentado na mesma fila de assentos que nós, e tentou nos divertir dizendo que poderíamos fazer bom uso de suas navalhas para raspar nossas barbas e bigodes. Ele não conseguiu ir muito além disso, visto que, tão logo decolamos, nos concentramos em repassar os números do show, canções como "Be Bop-a Lula", "Yer Blues", "Dizzy Miss Lizzy" e "Blue Suede Shoes" . Tocamos todos sentados em nossas poltronas. Ninguém reclamou, o que, olhando em retrospecto, não era de surpreender, visto que John era uma das maiores estrelas do mundo, e os outros passageiros provavelmente estavam pasmos por estarem no mesmo espaço que ele. Muito curiosamente, não me recordo de Yoko envolver-se em absoluto. Ela ficou sentada quieta no fundo.

Quando todos chegaram em Toronto, caía um temporal gigantesco. Na confusão, John e Yoko sumiram dentro de uma limusune, deixando o resto da banda à própria sorte, até que pudessem fretar uma van até a casa de Cyrus Eaton, um dos maiores magnatas do país. No local, a imprensa esperava pegar alguma palavra de Lennon, mas ele e Yoko recusaram-se a dar declarações. De novo, sobrou para Eric, que pôde engambelar os jornalistas.

Já no Varsity Stadium, eles descobriram que iriam tocar entre Little Richard e Chuck Berry. John ficou perplexo. Para segurar a ansiedade, eles resolveram queimar alguma coisa. Clapton diz que ele e John fumaram maconha até passarem mal. John vomitava os bofes enquanto o estafe tentava reanimar a dupla a tempo de subirem no palco.

A Plastic Ono Band começou a apresentação à meia-noite, diante de um público de 25 mil pessoas, com um primeiro set todo de clássicos do rock e duas inéditas (ao vivo). Para a segunda parte, uma experimentação de vanguarda bem ao estilo da Plastic Ono ("John, John", e "Don't Worry Kyoko (Mummy's Only Looking for Her Hand in the Snow)"), John pediu para que todos deixassem suas guitarras ligadas no último volume ao lado dos amplificadores, até que uivassem de tanto feedback. Yoko interpretou dos temas dela que, no disco do show, lançado em dezembro de 1969, corresponderia a todo o espaço do lado B do elepê.

Clapton: "soou tudo estranho para mim, mais uivo do que canto, mas era o lance dela. John achou tudo muito engraçado, e foi o encerramento do nosso set. Em seguida, nos amontoamos em quatro carros arranjados pelo filho de Eaton Cyrus e voltamos para passar o que restava da noite no casarão. Na tarde seguinte, voamos de volta para a Inglaterra. Meu pagamento pelo show consistiu em uns desenhos de John, que eu perdi com o passar do tempo".

Na semana seguinte, Lennon iria dedicar-se à mixagem da apresentação, para lançamento em disco. Ao mesmo tempo, reuniu a Plastc Ono Band (porém, com Ringo no lugar de White) para a gravação de estúdio de "Cold Turkey" (com Don't Worry Kyoko (Mummy's Only Looking for Her Hand in the Snow) de lado B). Concebida originalmente para o Abbey Road, foi vetada pelos Beatles. Por conta disso, John decidiu não compartilhar com Paul a autoria da canção, como fizera com "Give Peace a Chance".

Ao mesmo tempo, aquele seria o primeiro movimento de John com a intenção ostensiva de abandonar o quarteto. O elepê, intitulado Live Peace in Toronto 1969, não chegou aos primeiros lugares na parada britânica. Acabou tendo melhor desempenho nos Estados Unidos, muito embora a subsidiária da EMI na época, a Capitol Records, recusou-se veementemente a lançar o álbum. A alegação era o tipo de material que havia sido lançada nas produções anteriores, como o Wedding Album. Com muito esforço, Lennon conseguiu convencê-los a prensar o disco. Ainda assim, vingou-se da Capitol mantendo o lado B inteiro com as faixas da Yoko.

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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Tattoo You


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É líquido e certo dizer que o cânone dos Rolling Stones reside no período entre 1968 e 1972 e que tudo o que a banda realizou a partir de então pode ser deixado de lado (prá não dizer outra coisa). A verdade é que existe uma certa má vontade com eles a partir do (excelente!) Goat Head Soup.

Diz-se que os anos 70 não foram bons para os Stones. Mas, se pensarmos assim, na verdade, os anos 70 não foram bons prá ninguém - e as coisas também não são bem assim. Para a banda, a década representou uma tentativa desesperada de manter a integridade sonora sem perder o bonde da história da música.

Isso explica por que eles foram de Herodes a Pilatos a cada disco, entrando e saindo de estilos musicais, desde o glitter de "It's Only Rock'n Roll" até a disco do Studio 54 com "Miss You".

Ninguém poderia culpá-los pelo fato de que o rock estava saindo de moda naqueles tempos - ao mesmo tempo em que os punks os consideravam aqueles balzaquianos capitaneados por Jagger e Richards sumariamente jurássicos.

Verdade seja dita: mesmo que o rock estivesse fora de pauta, a produção dos Glimmer melhorava a cada disco. Aos trancos e barrancos, podemos dizer que a fase pós Jimmy Miller, que vai de 1973 até 1981 não é ruim. Porém, á medida em que eles vendiam milhões de discos, impacientavam a crítica. Debra Rae Cohen, por exemplo, escreveu que, depois de Emotional Rescue, "já havia perdido a paciência" com os Stones.

Um parêntese: sobre isso, Keith explicaria a ausência de "foco" na produção dos 70 ao excesso de músicos de estúdio envolvidos no processo o que fez, de acordo com ele, a tomar um outro rumo, chegando, em alguns momentos, "a nos afastar dos nossos melhores instintos".

De acordo com Cohen, todavia, o que os surpreendeu foi, justamente o último disco dessa fase, Tattoo You. Lançado às pressas, para chegar às lojas junto com a nova turnê, em 1981, o disco surpreendeu a todo mundo, inclusive aos Stones.

Na verdade, Tattoo You não passa de um monstrengo. Enquanto a banda parecia bater sempre na rede pelo lado de fora quando queria realmente agradar a Deus e todo mundo, nos álbuns anteriores, foi justamente quando não havia pretensão nenhuma que eles conseguiram meter a bola na forqulilha.

O que ninguém sabia na época é o novo disco era uma raspa que foi retocada, requentada e jogada na parede (ou na parada) e que grudou. Sem tempo para fazer uma produção comme il faut, os Rolling Stones deram carta branca ao produtor Chris Kimsey de exumar latas e latas de uma década de arquivos de faixas inutilizadas, demos e esqueletos de canções, a fim de fazer uma peneira.

Kimsey, que conheceu os Stones em Some Girls (e que se tornaria co-produtor de nove álbuns dos Stones ao todo) e conhecia as canções da banda de trás para a frente, selecionou material e convenceu a Mick e Keith que era possível fazer um disco em cima daquilo. Do Goat, eles completaram "Tops" e "Waiting on a Friend". Ou seja, levariam longos oito anos para que ela ganhasse aquele inefável solo de Sonny Rollins.

"Slave" e "Worried 'Bout You", por seu turno, são sobras do Black And Blue. A segunda, aliás, ainda sem o típico falsete de Mick, estava no repertório do histórico show no El Mocambo, em Toronto, no Canadá, em 1977. Se os vocais foram concebidos na elaboração de Tattoo You, a guitarra, tocada por Wayne Perkins, permaneceu do take original (assim como a de Mick Taylor em "Waiting On A Friend").

Já "Little T&A", "Hang Fire" e"Black Limousine" são do tempo do Emotional Rescue. Por fim, Chris Kimsey selecionou sobras pós Rescue, como "Heaven" e "Neighbours" ("resgatada" pelos Stones ao vivo mais de vinte anos depois). Todas as faixas receberiam novos vocais por Jagger, que foi o único stone recrutado para dar o feixe nas canções exumadas e remasterizadas para Tattoo You.

Das extensas sessões do Some Girls, salvou-se "Start Me Up". Esta que, por sua vez, é considerada (pela crítica) como o grande último sucesso dos Stones, tem uma história rocambolesca: concebida como um reggae, nasceu em Roterdã, durante as sessões de Black And Blue.

"Start Me Up" seria a canção "jamaicana" do disco, mas não foi a parte alguma, sendo execrada em favor do cover de "Cherry, Oh, Baby". Keith lhe daria uma nova chance em 1978, durante as sessões de Some Girls.

Regravada - de acordo com Kimsey - no mesmo dia finalização do master de "Miss You", Richards insistiu até que a base ficasse pronta. Nesse tempo, lembra o produtor, a música já tinha o arranjo que nós conhecemos.

- Talvez com aquela experiência do estilo 'disco' em "Miss You", ele [Keith] tenha decidido trabalhar a música de outro jeito - diz Kimsey. - Não levou muito tempo para que todos nós entrássemos no clima. Quando conseguimos um take de "Start Me Up", em que todos disseram: "essa foi boa", Keith veio até a sala de e disse: "é, está razoável, parece algo que ouvi no rádio, ainda está parecendo um reggae. Pode apagar". Ele ainda estava brincando com a música, e não tinha gostado do take.

Kimsey se recorda, ainda em depoimento para Life, a autobiografia de Richards, que Keith desejava apagar todos os masters do disco antes do lançamento. Para ele, era a única forma segundo a qual ninguém teria acesso àquele material.

Pois, para o bem de todos e felicidade geral da nação, Chris cumpriu o desejo do guitarrista, porém ao contrário. Qual não foi a surpresa de Keith ao ver a refugada "Start Me Up" na lista das canções listadas para o novo disco dos Stones.

- E aquele take acabou se tornando a melhor música de Tatoo You, três anos mais tarde - concluiu Chris Kimsey.





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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Night Life


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Conheci Ray Price por causa do Willie Nelson. O compositor de "Crazy", clássico na voz da maior cantora de country de todos os tempos, Patsy Cline, fez o que ninguém na época imaginaria: empreender um verdadeiro crossover entre o sisudo Nahville Sound para uma versão desgarrada do gênero que, já no final dos anos 70, se transmutaria no Outlaw, um misto de hillibily hippie, que abriria o country para outros públicos e, de quebra, rejuvenesceria o próprio estilo, nos arredores do que chamamos hoje de "Americana".

Quando ele jovem, Nelson era um compositor prolífico para cantores de Nashville. Em 1963, em parceria com Price, já famoso há quase dez anos, principalmente por conta de um grande sucesso, "Crazy Arms", eles lançaram um álbum que se tornaria um masterpiece: Night Life.

No influente 1001 Albuns You Must Her Before You Die, Will Fullford Jones classificou o disco de "o In Wee Small Houres do country". Não sei se todos os meus leitores aqui entenderão a analogia.

Frank Sinatra fez um disco de fossa, composto apenas de baladas. A comparação, portanto, não é de algibeira; todavia, cabe salientar que a fossa é uma temática recorrente no universo country (e no southern soul também, mas isso é uma outra história). Portanto, não haveria novidade em tal nota lúgubre aqui.

A questão é que a originalidade de Night Life reside no fato de que, num determinado contexto, long-plays de country não eram tão comuns àquela época. E, mais do que isso, dentro das possibilidades, estamos falando de uma lenda, que é o falecio Ray Price, já um intérprete proeminente e que, sim, gozava de popularidade suficiente para lançar um elepê.

Assim, mais do que lançar um disco, Price criou um álbum conceitual - aí sim podemos entender a faliz analogia de Fullford, onde a tônica é a boemia. Price apresenta o tema antes da primeira faixa, à guisa de prelúdio. Em seguida, desfila um maravilhoso terço de canções que falam de separações, amores destruídos, mulheres dissolutas, amores não-correspondidos, arrependimento, homens traídos - que varam noites a foi procurando seus arrufos em honky-tonks (no basfond, no butecão, tomando u´pisque caubói e jogando sinuca até as sete para as dez da manhã).

Fazendo um parêntese: é curioso verificar que, mesmo sabendo como é latente essa lírica destinada à dor de corno seja algo que atraia um público gigantesco - no country norte-americano e além dele. Para tanto, não precisamos ir tão longe: basta lembrarmos de clássicos de Hank Williams, como "Take These Chains From My Heart', "Crazy Heart" ou "Wedding Bells".

O country ianque, como o nosso "cognato" serrtanejo, sempre destilou a temática da "dor de corno". No entanto, enquanto esse gênero aqui é espartanamente execrado, lá, nos Estados Unidos, músicos como Ray Price, e outros, do mesmo extrato, como Merle Haggard, George Jones e o próprio Nelson, são verdadeiros heróis entre seus pares.

Isso explica, aliás, como o country teve tamanho apreço e apelo suficiente para influenciar o jovem rock'n roll - e foram com efeito os seus protagonistas os responsáveis (de Gram Parsons até Kurt Cobain) por citar gente como os Louvin Brothers como influências seminais em seus respectivos trabalhos.

Tal fato também explica, pois, o motivo pelo qual Night Life foi parar na lista dos 1001 Albuns - um grande passo no sentido de consolidação e popularização do country além das suas fronteiras.



PS: quem já curtiu uma fossa vai gostar de Night Life. PS: 2 Ouçam "Pride", prá mim, a melhor do disco.



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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Make It Easy On Yourself


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Burt Bacharach é aquele cara por detrás das canções que você gosta mas não sabe quem é o compositor.

Sempre tive as minhas reservas em relação a easy listening. Achava esses maestros uns usurpadores, se apropriando de canções para fazer um tipo de música detestável, para tocar em ambientes onde ela é acessória. Da mesma forma, os seus ouvintes são pusilanimemente de ocasião – sequer curtem o que estão ouvindo.

Fora que eles têm centenas de discos que vendem bem, mas que não tem coerência nenhuma: são coletâneas de canções para ouvir tomando o chá das cinco e tocavam nas extintas emissoras de rádio do tipo vitrolão, para umas audiência com uma indiferença de gatos.

Claro que nem todos são assim: cito como exemplo um Hugo Montenegro ou um Henry Mancini. Estes, por exemplo, pelo menos compunham o próprio material e detinham uma originalidade autoral que transcendia o arranjamento puro e simples.

Mas o cara que transcendeu de fato essa reputação nefasta do easy listening é o Burt Bacharach. Apesar do seu fundamento clássico (foi inclusive aluno do Milhaud, aquele do Boi No Telhado), ele sempre teve uma aproximação com a música popular a partir do jazz. Como muitos da sua geração, onde podemos incluir Carole King, começou como músico de estúdio e, a partir dos anos 50, se tornou um compositor do tipo Tim Pan Alley – gente insuspeita que fazia música por encomenda.

Nessa época emplacou Story Of My Life, com o Marty Robbins (“El Paso”) e Magic Moments com o Perry Como. Porém, virou uma espécie de cavalo de batalha da Dione Warwick. Junto com Hal David, eles seriam os que empurrariam Bacharach rumo aos umbrais da música popular. Warwick foi quem mais gravou Bacharach. Juntos, eles puserem quase quarente compactos no topo da parada da Billboard. A partir dela, muitos o regravariam e se tornariam fiéis intérpretes, como Dusty Springfield e Cilla Black (só para citar duas, no meio de tanta gente).

Burt trabalhou quase uma década como compositor e arranjador. Só foi lançar discos próprios lá por 1965, quando saiu o Hit Maker! Burt Bacharach Plays His Hits, pela Liberty.

No entanto, a melhor parte da sua discografia é a dos anos em que foi artista da Alpert & Moss, a A&M. O primeiro elepê dessa nova fase aparece quatro anos depois de seu début, com Reach Out. Na verdade, ele passa o seu repertório a limpo, em versões instrumentais. É o caso desse disco aqui, Make It Easy On Yourself, de 1970. Foi o primeiro dele que comprei (nunca achei o primeiro em vinil, apenas fui ouvi-lo com o advento da já falecida Usina do Som). Comprei os dois dois primeiros discos da A&M em sequência, acho que até na mesma loja. Gosto de ouvi-los especialmente porque eles me recordam exatamente a época em que os ouvi pela primeira vez – algo que todos têm, e isso me deixa um tanto nostálgico daqueles tempos.

Como ele fez no Reach Out, Bacharach canta numa faixa — no caso a que dá nome ao disco, Make It Easy On Yourself (um original de 1962, que rendeu à Dione Warwick o primeiro lugar nas paradas e aos Walker Brothers também, cerca de dois anos depois). Mesmo não sendo lá um grande cantor, a peça de resistência é, com efeito, a sua própria voz pequena. Sem sombra de dúvida, a melhor versão. Temas como Whoever You Are I Love You ou She’s Gone Away, por exemplo, são ligeiramente subestimadas, mas se notabilizam também pelo arranjo — coisa que Burt é mestre em transformar criações pop em pequenas suítes.

O disco ainda tem Any Day Now, que Elvis havia recém regravado, I’ll Never Fall In Love Again (cantada pelo coro feminino da orquestra e, é claro, This Guy’s In Love With You.

A história dela é bastante curiosa. Herb Alpert (um dos donos da A&M havia perguntado ao Burt se ele tinha alguma canção para mostrar-lhe. Bacharach não tinha nada. No entanto, se lembrou de que tinha uma canção dele — e que ele não levava muita fé nela, já com letra pronta, do Hal David. Resolveu repassá-la ao trompetista da Tijuana Brass.

Herb resolveu cantá-la (os discos da Tijuana Brass, como se sabe, são de música instrumental) e ficou dez semanas no primeiro lugar da Billboard. De Easy Listening.

Confesso que, graças ao Burt Bacharach, minha revolta contra música de elevador se aplacou para sempre.



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terça-feira, 22 de abril de 2014

England's Newest Hit Makers


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Estava acostumado por décadas a ouvir o peimeiro disco dos Stones "maquiado" pelo falso estéreo e a qualidade de som típica do vinil antigo. Quando fui ouvir o mesmo álbum em versão SACD, e depois de ler na biografia do Keith que boa parte das sessões de gravação foi realizada em um estúdio de jingles com isolamento acústico improvisado com caixas de ovos, e sabendo da quase total incúria do Andrew Oldham na parte musical, noves fora a inexperiência da banda em estúdio - que, para Richards, era o ápice do improvável para eles, naquele estágio onde os Stones tocavam em pulgueiros, o resultado é surpreendente, é um parto à fórceps (mas o bebê é lindo e rosado, muito embora narigudo e dentuço, como o Keith).

Essa sonoridade "raw" dos primeiros discos, entre os quais o seu debut homônimo, lançado há exatos 50 anos, fariam parte do capítulo 1 dos Stones, que é hoje mais cultivado pelos iniciados do rock. Esse capítulo se insere num contexto interessante: garotos ingleses que transformavam um gênero de música norte-americano que, à época, era um fenômeno tanto localizado quando totalmente subestimado.

Nota-se que foi tudo registrado ao vivo, inclusive palmas (Walking The Dog, por exemplo, imaginem o staff, o escovinha do Gene Pitney, Spector e o próprio Oldham dividindo maracas e tambourine nas faixas).

Sabendo da dificuldade de todo começo, o repertório estava bem arranjado, e inclusive o divino Charlie Watts, cuja lenda era a de que ele sequer era baterista antes dos Stones (lenda, mas que muitos de nós acreditávamos), segura muito bem o ímpeto do quinteto, mais do que faria muitas vezes depois, mas sempre muito seguro de si, a ponto de não deixar a sonoridade cair em garagem pura.

Watts é um gênio incompreendido em sua discrição, como no caso dos grandes bateristas incompreendidos e subestimados, como Al Jackson Jr. Como disse Keith no livro, Charlie é a cama em que os outros quatro se deitam, ele, principalmente.

O que é a virtude dessas primeiras gravações, no entanto, é algo que pesa contra, pelo menos num exercício de imaginação. A infra-estrutura daqueles tempos deixava a desejar em matéria de captar a banda de forma ideal (existem poucos registros em estéreo ou mixagens definitivas nesse modo) no seu começo e a falta de direção de um produtor de escol (Jimmy Miller, o homem que realizou a maiêutica musical do quinteto, só acenaria na história dos Stones em janeiro de 1968) impediu que tivéssemos registros decentes daqueles dias primitivos. Por outro lado, seria impossível conceber tudo aquilo de outra maneira.

Keith fala, em sua autobiografia, que Andrew foi quem os obrigou a começar a compor. No entanto, na verdade, eles já haviam produzido faixas próprias sob a alcunha coletiva de Nanker-Phledge - e Tell Me, uma preferida dos fãs, muito embora soasse como Motown (algo que seria típico dos mods, isto é, transpor para a guitarra os doo-ups das Cleftones ou Martha Reeves, por exemplo).

Ou seja, nada que fosse de novidade, A não ser o fato, salientado por Richards em seu livro: na verdade, Oldham não queria mais cópias de blues de Chicago. Pelo menos, ao contrário do purismo de um Eric Clapton, que realmente se sentiu marginalizado ao quebrar lanças pelo seu purismo no blues, os Stones, e Keith explica, não tinham, ao contrário do futuro guitarrista do Cream, escrúpulos com relação à isso.

Com exceção de "Little Red Rooster" - onde Jagger e Keith realmente queriam quebrar barreiras defendendo a signature song do seu ídolo, Howlin Wolf nas paradas, a banda optou por abraçar o pop.

Tanto que, com efeito, o escopo das canções dos glimmer entre 1964 e 1967 era fundamentado em pop, com raras e obscuríssimas concessões ao blues (como Who's Driving Your Plane, lado B de Have You Ever Seen Your Mother, Baby, Standing in the Shadow). A qualidade da produção dos álbuns dos Rolling Stones caminharia em seus altos e baixos pelo menos até as sessões do Aftermath, que foi gravado no Estúdio A da RCA, em Hollywood (os tapes da Chess eram propositadamente gravados em mono, para soar como a velha Chess) e quando eles defintivamente passaram a usar o Olympic Studios, em Londres.

Quando Mick, Keith e grande elenco chegaram em terra ianque, não existia nada mais passadista que o blues de Chicago ou Memphis. Quando eles adentraram os estúdios da Chess, deram de cara com Muddy Waters no topo de uma escada, dando uma demão de tinta na entrada. Para se manter gravando, mister Morganfield tinha que bancar o factorum. Pois foram esses garotos ingleses que tiraram Muddy daquela escada e lhe deram uma nova reputação.

Porém, como disse Richards em suas memórias, abandonar os standards de blues foi o ponto crucial em suas carreiras. Tanto é verdade que os seus símiles do rock britânico daquele tempo ficou perdido no passado. Até mesmo o début dos Rolling Stones, quando veio à lume, há 50 anos era, ao mesmo tempo, o fim de um capítulo e o começo de outro. Em pouco tempo, o quinteto inglês não seria o mesmo - e o rock também.



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